Revista Cultura y Ocio

Nada, Carmen Laforet

Publicado el 12 enero 2011 por Manigna
Nada, Carmen Laforet

Año de publicación: 1944.
Traducción al portugués: Elizabeth Xavier de Araújo.
Traducción del prefacio de Mario Vargas Llosa: Eliana Aguiar.
Alfaguara, 2008.

Leído entre finales del año pasado y a inicio del presente, “Nada” de Carmen Laforet pasó de ser una obra desconocida a convertirse en una de mis preferidas. Se quedaron en Lima, entre varios otros libros, alguno de Camilo José Cela, y un par de Arturo Pérez-Reverte, y claro, El Quijote, que nunca puede –ni debe- faltar en casa. Es extraño, cuando me detengo y reparo: son pocos los libros de escritores españoles que tengo; sin habérmelo propuesto, en literatura en lengua española son más los escritores latinoamericanos los que acapararon mi atención. Ahora, en un país de lengua portuguesa, cuando me cruzo con obras de escritores hispanohablantes, generalmente paso recto, por evitar la traducción; guardo la esperanza de hacerme de esos libros en mi idioma, el castellano, pero en este caso, nuevamente, hubo un repentino cambio de parecer.
Este libro nos transporta al Barcelona luego de la posguerra, tiempos muy difíciles, donde la tapa del libro hace honor al clima que refleja la historia: todo gris y obscuro. Es en esos momentos que Andrea, a sus dieciocho años, llega a esa ciudad a vivir con familiares, mientras estudia en la universidad. Además de la escasez de medios con que la familia contaba, Andrea encuentra en ese grupo familiar diversas rencillas que hacen que su vida sea aun más difícil. La casa de la calle Aribau donde viven me la imagino diseñada por Tim Burton. Andrea encontrará en su amiga Ena y en su familia una puerta a un mundo diferente, donde se sentirá más a gusto, aunque esa dicha sea efímera. Con Gerardo tendrá su primer beso, algo que la intimidará y dejará confusa. Luego, de la mano de Pons conocerá a Puyol, Guíxols e Iturdiaga, entrando a ese pequeño clan que aquel grupo de jóvenes -hijos de industriales catalanes- formaban, reuniéndose en el atelier de uno de ellos; quedará deslumbrada ante la descubierta de ese mundo bohemio y el formar parte de él.
Andrea parece estar en una busca constante por encontrar donde encajar. No hay en ella envidia alguna al conocer que aquellas personas con las que empieza a relacionarse son su antítesis: mientras ella vive prácticamente en la miseria, sus nuevos amigos pertenecen a familias pudientes. Es con ellos que huye de su cruda realidad, en la que la pobreza no sólo de medios económicos, sino también de valores, hace de su cotidiano un pequeño infierno.
Su sorpresa será enorme al ver cómo Ena comienza a frecuentar su casa, no para visitarla, sino en busca del tío Román, aquel que parece esforzarse por caer mal, pero conserva intacto su talento ante un piano, con lo cual atrae la atención de la amiga de Andrea. La preocupación de esta será mayor todavía cuando la madre de Ena acuda a la casa y le revele su secreto.
Mediante el escrito de Laforet te imaginas una lóbrega Barcelona, donde una mujer, con las dificultades que tenían en esa época, consigue salir de la miseria que la rodea y hacerse de un lugar en el mundo.
Carmen Laforet tuvo muchos huevos para editar esta obra (1944) en pleno franquismo (1936 - 1975), y con tan sólo 23 años de edad. Aunque no trate el tema directamente, la obra está envuelta en el caos y la pobreza desatada por esta dura etapa en la historia reciente española.
Se llevó el Premio Nadal de 1944, convirtiéndola en un clásico en nuestra lengua, clásico que como dije al principio, desconocía; felizmente pude enmendar ese grave error producto de mi ignorancia. Como si fuera poco, a modo de cereza en esta torta, esta edición de Alfaguara viene con el prefacio de Mario Vargas Llosa escrito en el 2004.
Dejo el primer capítulo en el idioma en el que lo leí, el portugués, sólo para que puedan ver que no es nada difícil el entenderlo, y también, para quienes la hayan leído, y disfrutado, como yo, tengan la traducción de una pequeña parte de esta gran obra.
Nada, Carmen Laforet
Por problemas de última hora para comprar a passagem, só consegui chegar a Barcelona à meia-noite, muito depois do horário combinado, e não havia ninguém à minha espera.
Era a primeira vez que viajava sozinha, mas não estava assustada; ao contrário, aquela profunda liberdade na noite me parecia uma aventura agradável e excitante. Depois de uma viagem longa e cansativa, o sangue voltou a circular nas minhas pernas adormecidas e eu, com um sorriso de espanto, olhava a grande estação de Francia e os grupos formados pelos que esperavam o expresso e os que chegavam com três horas de atraso.
O odor peculiar, o burburinho das pessoas, as luzes sempre tristes tinham para mim um grande encanto que envolvia todas as minhas impressões no deslumbramento de ter chegado, afi nal, à cidade grande que eu, por não conhecer, adorava em sonhos.
Comecei a seguir - uma gota num rio - a massa humana que, carregada de malas, afluía para a saída. Minha única bagagem era uma malona muito pesada - porque estava quase cheia de livros - que eu mesma levava com toda a força da minha juventude e da minha ansiosa expectativa.
Um ar marinho pesado e fresco invadiu meus pulmões com a primeira sensação confusa da cidade: uma massa de casas adormecidas, de lojas fechadas, de postes de luz como sentinelas bêbados de solidão. Uma respiração profunda, difícil, vinha com o murmúrio da madrugada. Muito próximo, às minhas costas, além das vielas misteriosas que levam ao Borne, sobre meu coração excitado, estava o mar. Eu devia parecer uma figura estranha com meu ar risonho e meu velho casaco que, empurrado pelo vento, me açoitava as pernas, protegendo minha mala, desconfiada dos solícitos “camàlics”.
Lembro que em poucos minutos fiquei sozinha na ampla calçada, pois as pessoas corriam para pegar os raros táxis ou lutavam para se pendurar no bonde. Uma dessas velhas charretes que reapareceram depois da guerra parou na minha frente, e eu a tomei sem titubear, para inveja de um senhor que se lançou atrás dela desesperado, agitando o chapéu.
Corri naquela noite no desconjuntado veículo por ruas largas e vazias e atravessei o coração da cidade cheio de luz a qualquer hora, exatamente como eu queria, numa viagem que me pareceu curta e carregada de beleza. A charrete contornou a praça da universidade, e lembro que o belo edifício me comoveu como uma grave saudação de boas-vindas.
Entramos na rua Aribau, onde meus parentes moravam, com seus plátanos cheios de espesso verdor naquele outubro e o silêncio vívido da respiração de mil almas atrás das sacadas às escuras. As rodas da charrete deixavam uma esteira de ruído que ressoava na minha cabeça.
De repente, senti todo o trambolho ranger e balançar. Depois ficou imóvel.
- Chegamos - disse o cocheiro.
Ergui a cabeça para o prédio em frente. Fileiras de sacadas se sucediam iguais, com suas grades de ferro escuro guardando o segredo dos lares. Olhei para elas, e não consegui adivinhar de qual delas eu sairia de agora em diante. Com a mão um pouco trêmula, dei algumas moedas ao vigia e, quando ele fechou a porta atrás de mim, com grande tremor de ferros e vidros, comecei a subir as escadas, bem devagar, carregando minha mala.
Tudo começava a ser estranho à minha imaginação; os estreitos e gastos degraus de mosaico iluminados pela luz elétrica não tinham lugar nas minhas lembranças.
Diante da porta do apartamento, me assaltou um súbito receio de acordar aquelas pessoas desconhecidas que, no fim das contas, eram meus parentes e hesitei um pouco antes de tocar timidamente a campainha. Ninguém atendeu. Meu coração começou a bater mais forte, e fiz uma nova tentativa.
Então ouvi uma voz trêmula:
"Já vai! Já vai!"
Ouvi pés se arrastando e mãos desajeitadas abrindo trancas.
Depois tudo me pareceu um pesadelo.
O que eu tinha diante de mim era um vestíbulo debilmente iluminado pela única lâmpada que restava num dos braços do lustre magnífico e cheio de teias de aranha que pendia do teto. Um fundo escuro de móveis empilhados como nas mudanças. E, no primeiro plano, a mancha alvinegra de uma velhinha decrépita, de camisola, com um xale nos ombros.
Preferia pensar que tinha errado de apartamento, mas aquela infeliz velhinha conservava um sorriso tão doce e bondoso que tive certeza de que era minha avó.
- É você, Gloria? - disse ela, num sussurro.
Neguei com a cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa, mas ela não conseguia me ver no escuro.
- Entra, minha filha, entra. O que você está fazendo aí? Ai, se a Angustias souber que você voltou a uma hora dessas!
Intrigada, arrastei a mala e fechei a porta atrás de mim. Então a pobre velha começou a balbuciar alguma coisa, desconcertada.
- Não está me reconhecendo, vó? É a Andrea.
- Andrea?
Ela hesitava. Esforçava-se para lembrar. Aquilo era constrangedor.
- Isso, vovó, sua neta? Não consegui chegar de manhã conforme o prometido.
A velha continuava sem entender, quando, de uma das portas do vestíbulo saiu, de pijama, um sujeito alto e esquelético
que resolveu a situação. Era o Juan, um dos meus tios. Tinha o rosto cheio de concavidades, como uma caveira iluminada pela única lâmpada do lustre.
Bastou ele me dar uns tapinhas nas costas e me chamar de sobrinha para vovó se atirar num abraço, com seus olhos claros cheios de lágrimas, repetindo "coitadinha"?
Em toda aquela cena pairava algo de aflitivo, e no apartamento um calor sufocante, como se o ar estivesse parado e podre. Ao erguer os olhos, vi que várias mulheres fantasmagóricas tinham aparecido. Uma delas, vestida de preto com uma roupa que lembrava uma camisola, quase me causou arrepios. Tudo naquela mulher parecia horrível, calamitoso, até a esverdeada dentadura com que sorria para mim. Era seguida por um cachorro que bocejava ruidosamente, também ele preto, como uma extensão do seu luto. Depois me disseram que era a empregada, mas nunca nenhuma outra criatura me causou uma impressão tão desagradável.
Atrás do tio Juan apareceu outra mulher magra e jovem, de cabelos revoltos, arruivados, sobre um afilado rosto branco e uma indolência tresnoitada que só fazia aumentar a penosa impressão do conjunto.
Eu sentia a cabeça de vovó contra meu ombro, ainda apertada em seu abraço, e todas aquelas figuras me pareciam igualmente alongadas e sombrias. Alongadas, quietas e tristes, como luzes de um velório de interior.
- Bom, mamãe, já chega - disse uma voz seca e como que ressentida.
Então me dei conta de que havia mais uma mulher atrás de mim. Senti uma mão no meu ombro e outra no meu queixo. Eu sou alta, mas minha tia Angustias era mais alta ainda, e assim me obrigou a olhar para ela. Seu gesto revelava certo desprezo. Tinha os cabelos grisalhos, compridos até os ombros, e uma certa beleza no rosto escuro e fino.
- Que bolo você me deu hoje de manhã, hem, filha!
Como eu podia imaginar que você ia chegar de madrugada? Tinha soltado meu queixo e agora estava na minha frente, dizendo do alto de sua camisola branca e de seu penhoar azul:
- Ai, Senhor, que transtorno! Uma criança dessas, sozinha?
Juan grunhiu:
- Pronto. A bruxa da Angustias sempre estragando tudo! Angustias fingiu não ouvir.
- Bom, você deve estar cansada. Antonia - agora se dirigia à mulher envolta em preto -, vá preparar uma cama para a senhorita.
Eu estava mesmo cansada e, além disso, naquele momento, me sentia surpreendentemente suja. Aquelas pessoas, movendo-se ou olhando para mim num ambiente escurecido pela aglomeração de coisas, pareciam aumentar o calor e a fuligem da viagem que eu já havia esquecido. Além disso, estava ansiosa para respirar um pouco de ar puro.
Percebi que a mulher desgrenhada, tonta de sono, estava olhando para mim com um sorriso, e também para a minha mala. Isso me obrigou a dirigir o olhar para o mesmo ponto, e então minha companheira de viagem me pareceu um pouco comovente em seu desamparo de provinciana. Pardacenta, amarrada com cordas, ocupava, ao meu lado, o centro daquela estranha reunião.
Juan se aproximou de mim:
- Você conhece minha mulher, Andrea?
E empurrou a mulher despenteada pelos ombros.
- Meu nome é Gloria - disse ela.
Vi que a vovó nos olhava com um sorriso ansioso.
- Ora, vamos!... que história é essa de apertar as mãos? Dêem logo um bom abraço, meninas? Isso, assim!
Gloria sussurrou ao meu ouvido:
- Você está com medo?
E por pouco não o senti ao ver o rosto de Juan, que mordia as próprias bochechas em caretas nervosas. Era sua tentativa de sorrir.
Tia Angustias voltou à carga, autoritária.
- Vamos dormir, que já é tarde!
- Posso tomar um banho? - perguntei.
- O quê? Fala mais alto! Tomar banho?
Os olhos se arregalavam sobre mim, espantados. Os olhos de Angustias e de todos os outros.
- Aqui não tem água quente - disse, Angustias, por
fim.
- Não faz mal?
- Você tem coragem de entrar no chuveiro a uma hora dessas?
- Tenho - respondi. - Tenho sim.
Que alívio a água gelada no meu corpo! Que alívio estar longe do olhar daqueles seres estranhos! Pensei que naquela casa nunca deviam usar o banheiro. O espelho da pia, todo manchado - que luzes mortiças, esverdeadas, havia na casa inteira! -, refletia o teto baixo, todo coberto de teias de aranha, e meu próprio corpo entre os fios brilhantes da água, evitando encostar naquelas paredes sujas, equilibrando-me na ponta dos pés sobre a encardida banheira de porcelana.
O banheiro parecia uma casa mal-assombrada. As paredes escurecidas conservavam o rastro de mãos crispadas, de gritos de desespero. Por toda parte as lascaduras abriam bocas desdentadas babando umidade. Acima do espelho, porque não cabia em outro lugar, tinham pendurado uma macabra natureza-morta com peixes olhudos e pálidos e cebolas contra um fundo preto. A loucura sorria nas torneiras retorcidas.
Comecei a ver coisas estranhas, como se estivesse bêbada. Bruscamente fechei o chuveiro, aquele feitiço cristalino e protetor, e fiquei sozinha em meio à sujeira das coisas. Não sei como consegui dormir naquela noite. No quarto que me deram, via-se um grande piano com as teclas descobertas. Numerosas molduras douradas - algumas de grande valor - nas paredes. Uma escrivaninha chinesa, quadros, móveis desencontrados. Parecia o sótão de um palácio abandonado, e era, conforme eu soube depois, a sala de estar.
No centro, como um túmulo rodeado por seres enlutados - a dupla fi leira de poltronas estripadas -, uma cama turca, coberta por uma manta preta, na qual eu deveria dormir. Sobre o piano tinham colocado uma vela, porque o grande lustre do teto não tinha lâmpadas.
Angustias se despediu de mim fazendo o sinal-dacruz, e vovó me abraçou com ternura. Senti seu coração bater contra o meu peito, como um bichinho.
- Se você acordar assustada, pode me chamar, minha filha - disse com sua vozinha trêmula.
E em seguida, num misterioso sussurro ao meu ouvido:
- Eu nunca durmo, filhinha, estou sempre fazendo alguma coisa na casa de noite. Não durmo nunca, nunca.
Por fim saíram, deixando-me entre as sombras dos móveis aumentadas pela luz da vela, que as enchia de palpitações e profunda vida. O fedor que se sentia na casa inteira chegou numa onda mais forte. Era um cheiro de sujeira de gato. Senti que me sufocava e, em perigoso alpinismo, subi no espaldar de uma poltrona para abrir uma porta que aparecia entre cortinas de veludo e poeira. Consegui minha façanha tanto quanto os móveis permitiam e vi que a porta dava para um desses pátios abertos que enchem as casas barcelonesas de luz. Três estrelas cintilavam no suave negror do céu, e ao vê-las senti uma súbita vontade de chorar, como se visse velhos amigos perdidos.
Aquele luminoso palpitar das estrelas me trouxe em tropel toda a minha ilusão através das ruas de Barcelona até o momento em que entrei nesse ambiente de pessoas e móveis infernais. Estava com medo de deitar naquela cama que parecia um ataúde. Acho que estava tremendo de indefiníveis terrores quando apaguei a vela.

(Capítulo I, pág. 15 – 21.)

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